13/03/2012

A ultima árvore

Derradeira, última. Uma Réstia na mancha, outrora verde, delícia de frescura , agora caos de cidade e de gente.

Somos da mesma natureza?!

Alta, robusta, rude, dura, altivez de eco nos ventos. Galhos frágeis, troncos ásperos, cicatrizes de amores humanos.

Fui baloiço de sonhos de crianças, amparo de confissões de adolescentes, evasão de adultos perdidos.
Sombra para deleite! Sombra que assombra na noite!
Fui…tempo de antes! Hoje sou seca, de uma dureza triste, asas de tempo que passam e desvanecem nesta minha confissão de morte.
Sou antiguidade que tende a curvar-se sobre a margem do lago. Lago que renasce a cada Primavera.

Somos da mesma natureza?!

Eu não renasço ! Afundo no mesmo trilho a alegria e a tristeza e desbrota a esperança.
Quero um salgueiro para entrelaçar-me este tronco oco e perpetuar um afago no abraço fatal.

Na sombra dos galhos, que se estendem na horizontal, nascem e apodrecem cogumelos. A vida acontece e desfalece.

Hoje, não serei mais sombra refrescante, dado que seco em cada memória da floresta que é agora urbe caótica.
Hoje, não sirvo mais de baloiço à criança, não se confessa mais o adolescente ou se perde o adulto. Porquê? Porque seco em cada memória da floresta que é agora urbe caótica.

Tenacidade, plenitude, cor, agradabilidade, bravura, fortaleza, solidez, avareza, deleite.

Fui-o! Fui, pretérito perfeito que me encolhe a força e vontade da raiz em procurar água e alimentar-me. Sede de vida que se insurge ténue já que a vida e a morte são menores à força do amor ou da solidão.

Hoje sou última Thuja, da floresta de antes.

E findo levemente, estalo à força agreste do vento que irrompe e me descobre nestes negrumes blocos de cimento. Que dizem: contam a história da humanidade!

Somos da mesma natureza?!

Não sei. Mas sei que quebro e curvo-me em leito final, na margem do lago que ainda renasce a cada primavera.

06/03/2012

Linha

Sofro, num sofrer absorto. Este sofrer que perfura. Porque nasci para ler palavras.Vivo como uma pseudo e sou uma escritora de margem. E sou uma leitora apaixonada. Fecundo o amor nas palavras. Realizar me nas palavras. Ser no miradouro da prosa, orgasmigar nas metáforas da poesia livre. Ah... fado que trago.O papel é um massacre, as palavras são tristes e a minha alma arrebata-se naquele que escreve comigo.

Ficamos numa linha, escritos na tempestade da pingas que esgueiram de ti, pena frágil.

Somos linha no traço da vida. Linha de sangue em luz.

Fui criadora de palavras. Sobrevivo em palavras. Existo no traço da caligrafia. Desenho arte na significância. Aprofundo-me no significado.

Sou palavras. Sou leitora. Sou aquilo que escrevo na linha...

03/03/2012

Na rua do beco...

Na rua do beco, envolta na névoa, acatam-se os motores dos carros que passam sem norte na perpendicular.
O apartamento fica ao fundo, na direita da rua sem caminho seguinte. Os passos não se ouvem no vácuo que a rua do beco cria.
Foi acordada pela campainha, olhou o relógio que dita o tempo da vida. Marcava quatro da manhã. Quem será? O que será? O que me traz a campainha que ouço? Ponderava ela.
Desceu as escadas de madeira que pareciam ganir, soltas pela antiguidade, estalando de ocas. Havia sempre, ante a porta, aquele corredor longo e estreito. Sentiu ânsia e anseio. Perguntou-se!… mas antes de responder-se caiu para trás com o som brusco da porta derrubada e empurrada.
Uma voz alta e grossa, severa e determinada ecoou no corredor estreito e longo.
Porque vindes a horas tão despropositadas à minha calmia? Perguntou-lhe e escutou: porque somos nós e existimos como nós?! Percebeu a unidade…
A voz grossa continuou. Ouço os batimentos desse teu coração e ordeno senti-los na palma gélida que trago na mão.
Senti-o a aproximar-se, zumbia num arfar fumegante, solitário, as artérias dilatadas pareciam rachadas. Sabia que também ele recebia o som do seu diafragma contraído, uma inspiração forte e curta.
Que fazemos? Questiona-me e continua. Ouves o nosso anseio. Inspiro e revelo: quem és? Como se não soubesse quem era...
A minha razão ouve-nos de súbito colar ao chão. Penso fugir-lhe, fugir do que escuto! Não?! Ao invés existo por fim ali.
Marchamos no vento que corre no corredor longo e estreito. A pálida lâmpada deambula num compasso grave. Na rua do beco o silêncio ouve-se. E nós? Nós somos. Nós existimos ali.
Ela uma bacante desenhada em desventura por Bouguereau, de traje leve a evidenciar aquela nudez crua. Entrega-se à loucura, desmedida violência reflectindo sons na parede do corredor estreito e longo, numa luta livre, numa dança lasciva. Sente-lhe o Tirso de Baco, o cacho irrompe por ela, cheira a semén. O ruído é agora das carnes contorcendo, fazendo um batuque constante no chão que estala de talhas de madeira podre.
Mas… o punhal atravessa lhe o frente, o grito forte dela e gane enquanto a cabeça bate três vezes ferozmente. O dedo dele balançava nos lábios dela, ouvia-lhe a angústia. Ela descria os olhos e lia-se sinistro nas áureas. Atravessou-lhe o cotovelo e cravou convicto o punhal no ombro, peça escultural. O fervor doentio enquanto se descolava a lamina da carne quente. Guatejava sangue, deslocou a faca e a carne era visível, a entranha daquela que sentia agora o que ouvira. Quis cravar-lhe ainda a mão na clavícula exposta. Mordeu-lhe as mãos, repleto de adrenalina, até ressoar o estraçalhar entre dentes.
Era a hora? Ela ouvia a hora! Num gesto mudo, ali no corredor estreito e longo, onde a lâmpada baloiçava e a névoa lá na rua do beco, o punhal ultrapassava-lhe o peito, enquanto se endurecia a auréola do mamilo.
Pensou como ela era bela, inigualavelmente bela. Mas girou a faca e algo estalou, as costelas frágeis sucumbiam à fúria dele. E fez-se saltar entranhas e sangue, qual espectáculo de pirotecnia. O golpe mortal…sem treino, só instinto. A certeza do fim de quem quis existir com ele.
Contemplou-a como a um animal abatido e esperou que o seu olhar perde-se o brilho.
A vida é tão efémera quando se decide existir com ele.
Terá ela ouvido a tranquilidade, questionou-se. Não se importa, mostrou-lhe a claridade.
Sileno, esta manhã decidiu ama-la e seguiu confiante. Iria ser o inicio das suas vidas. Helena saberia em breve.
O apartamento à direita, da rua do beco estava aberto. Decidiu adentrá-lo…ao fundo do corredor estreito e longo ela sazia bela. Ao lado um bilhete.

Estás atrasado. Como ousaste atrasar-te tanto! Ela sucumbiu a mim…
Remetente: Medo.


As histórias podem ser escritas, contadas. Até sem linguagem, cantadas, desenhadas ou podem ser o que ouvirem. Ela ouviu o medo e ele contou a história dela.